quarta-feira, janeiro 24, 2007

sobre o ABORTO

Os argumentos são mais que muitos, tanto do lado do sim, como do lado do não. Todos os dias somos bombardeados com a questão do aborto, e parece que em Portugal não se sabe falar de mais nada.
A comunicação social criou a sua agenda, tem sabido aproveitar mais que bem a polémica, e as individualidades que a alimentam. Ah! Temos que ser coerentes. A comunicação social não fala apenas do aborto, fala também da menina que anda desaparecida com a mãe adoptiva, cujo marido, membro do exército, foi condenado à prisão por não revelar o paradeiro das mesmas.
Sorte a do Governo, que descansa por uns breves momentos, pois parece que Portugal não tem outros assuntos que necessitem ser tratados.
Quanto ao aborto não percebo como é que em pleno século XXI, continuamos a discutir algo que há muito devia ter sido liberalizado. Contudo, o facto de ser despenalizado já é um grande passo, dadas as condições culturais e sociais do país.
Como já deu para perceber vou votar sim à despenalização do aborto. Acho uma hipocrisia e uma falta de respeito pelos direitos e liberdades do ser humano, que se possa condenar uma mulher à prisão por ela fazer um aborto. Mais, acho um insulto à inteligência, que se use como argumento, que com a despenalização se passem a fazer mais abortos. Vão usar o quê para demonstrar isso?! As estatísticas oficiais que antes não existiam e que passarão a existir depois de os abortos serem praticados nos hospitais?! Isso então é mesmo patético... E não venham dizer que a nossa lei é justa, porque permite os abortos em situações extremas (mal formações, situação psicológica, etc.).
Ou seja, a mulher não pode abortar só porque a sua consciência o dita. Pode fazê-lo, apenas, porque há todo um aparato de discursos médicos, psicológicos, que lhe permitem executá-lo. Como se tivesse que existir um discurso para legitimar algo que é legítimo. Ninguém devia ter o direito de julgar se alguém pode ou quer ser mãe. A sua vontade é legítima, é ela e o seu companheiro que vão criar essa criança, e só a eles devia caber essa decisão.
Uma mulher quando faz um aborto, não o faz pelo prazer que lhe deve prover. É um acto que acarreta grande sofrimento psicológico. E não venham cá com histórias de que existem muitas precauções a tomar, porque todos os métodos contraceptivos podem falhar. E mesmo que as pessoas sejam irresponsáveis e não os usem, querem o quê, que elas criem uma criança, se foram irresponsáveis o suficiente para não se precaverem?!
A Justiça não devia ser cega, nem devia servir os interesses de uma ideologia dominante, que a maior parte das vezes serve para legislar de acordo com os interesses do homem e não da mulher. A Justiça devia estar mais preocupada com os casos de crianças maltratadas e abandonadas em lares que estão ao cuidado do Estado ou de Instituições Privadas de Solidariedade Social, porque os seus pais não tinham condições para as criar. Mas pelos vistos, é melhor deixar vir crianças ao mundo, mesmo que não haja condições. Para que elas sejam abandonadas ao cuidado de ninguém, para que sejam alvo de processos de adopção que demoram anos, em que o seu sofrimento é apenas visível a quem com elas partilha essa dor. Metidas em instituições como se fossem presos por um mal de que não têm culpa. Mas como dão lucro, é melhor que nasçam, para que toda uma série de instituições possam viver às custas do seu sofrimento. Situação que o Direito também ajuda a manter, pois diz que se deve proteger a vida intra-uterina. Nota-se, que depois dessa vida deixar de ser intra e passar a ser visível, o que o Direito tem feito para a proteger. Os psicólogos no caso da menina que anda desaparecida, fizeram relatórios onde explicavam que a criança não devia ser retirada aos pais adoptivos. Mas como a magistrada também deve ter estudado psicologia, achou que eles estavam enganados e decidiu não ouvir os técnicos, acabando por decidir que os pais adoptivos entregassem a menina a um homem que desde o início não quis saber dela. Será que ele pensou melhor e agora quer pensão de alimentos?!...
E nesta coisa de legitimar os actos de parentalidade, gostava de saber, se alguém já pensou legislar que sem testes psicológicos e relatórios que reportem a saúde mental, os indivíduos não podiam ser pais?! É que, por muito que choque, nem todas as pessoas têm condições psicológicas para serem pais! Já agora, podiam pensar nisso...
Depois ainda temos a Igreja, que prega os seus valores morais. A única coisa que sabe fazer é propagandear a caridadezinha, e incrementar situações de miséria social. É contra o aborto, mas não permitem o uso de contraceptivos! No mínimo, irresponsável este pensamento... para não lhe chamar retrógado. Tudo pela santidade. Qual é a santidade da miséria humana, por se encontrar num estado tão deplorável em certos países, principalmente os da América Latina, onde o cristianismo é profundamente arreigado?! Em que nascem crianças que nunca poderão esperar um pleno desenvolvimento?! Mas, continue a Igreja a propagandear o "criai e multiplicai-vos" ao mundo sem se importar com as situações que cria.
"A pena de prisão - reacção criminal por excelência - apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reprovação e prevenção (...) [,deve servir a defesa da sociedade e prevenir prática de crimes, orientando-se] no sentido da reintegração social do recluso" (Decreto-Lei n.º 48/95, in Gonçalves, 2005, p.13).
Além de achar que a prisão não é a solução para as mulheres que abortam - não me parece que elas sejam uma ameaça à sociedade, já as crianças que podem vir ao mundo e ser marginalizadas pela sociedade que as quer proteger dos maus pais, e fazer carreira como delinquentes me levantam dúvidas - nem sei se podem ser condenadas com alguma pena, por um Estado Social que até hoje não reúne as condições necessárias que a Constituição da República prevê como direitos, igualdades e deveres de cada cidadão português. O contrato social não devia poder ser cumprido ou executado apenas por uma das partes. E o Estado aqui falha redondamente. Depois temos os iluminados que vêm falar de incentivos à natalidade como forma de dramatizar ainda mais o discurso acerca do aborto . Dando a entender que se devem penalizar as mulheres que abortam, até porque há aquelas que querem engravidar e não conseguem. Rídiculo. "Dividir para Reinar" já dizia Bonaparte.
Quem quer engravidar e não consegue sofre, é claro. Como quem não tem condições para ter filhos também sofre. Mas são problemas distintos, com origens distintas. Trazer crianças ao mundo, para depois não ter modo de assegurar a sua subsistência... porque o Estado incentiva muito pouco o pleno desenvolvimento das crianças, atribuíndo uns subsídios míseros, como que para calar os pobrezinhos, é uma irresponsabilidade.
Votar sim, é dar a possibilidade às mulheres de escolherem o que querem, sem falsos moralismos, sem querer condenar alguém pela sua escolha. Não é obrigar as mulheres que não querem a abortar, como se ouve por aí. É permitir uma escolha real, o exercício de um direito.
Nem todos têm condições, nem deviam ser obrigados a ir a Espanha fazer abortos. Fechar os olhos à realidade que é a exploração económica de um comportamento designado como criminoso e profundamente penoso a quem o pratica, é uma hipocrísia e uma inconsciência social, que permite a manutenção de uma situação que deveria ser vergonhosa para um país que se diz moderno.

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