terça-feira, outubro 31, 2006

DO ABORTO

Fartam-me estes teóricos políticos com as suas mesquinhices e questiúnculas em programas que deveriam servir para esclarecer os portugueses e não para os deixar mais ignorantes.
Ouvem-se dizer as maiores barbaridades, como "nós queremos é que as mulheres possam escolher e por isso é que somos contra o referendo (...) queremos que elas possam dizer eu quero ter este filho se me derem condições (...) exitem associações que ajudam estas mulheres carenciadas, analfabetas ou com poucos estudos, jovens diminuídas mentalmente até". - Pelo amor há humanidade, há decência do que são os direitos de igualdade, do que é honesto tanto social, como politicamente, ninguém aguenta tanta arrogância, imposição de valores e porque não dizê-lo estupidez!
Mas estes senhores acham que uma mulher nas condições que descreveram, merece viver da caridadezinha dos outros?! Num país onde há tanta miséria, pretende-se proletar que nasçam cada vez mais crianças sem que hajam condições para serem criadas e para que "cresçam"?! Querem que façamos como em Espanha - que sejam os médicos a mentir. Alguém acredita que os dados do ministério da saúde espanhol dos 97% de problemas psicológicos são verdade?! Mas talvez seja melhor, na opinião de alguns, que as crianças nasçam e depois sejam retiradas às famílias para irem para instituições que além de as marginalizarem ainda mais também não lhes providenciam afecto, perspectivas de vida, etc.
Mais, desculpem se choco alguém com o que vou dizer: há indivíduos que não nasceram para ser pais! Há famílias desestruturadas que não têm capacidade nem deveriam poder ter filhos, dada a falta de condições não só humanas mas de afectos.
Defender o aborto não é defender que todos devem abortar e não devem tomar precauções. Não façamos dos jovens o bode expiatório do problema que ainda hoje discutimos - o aborto. Eu tenho 25 anos, e hodiernamente existe mais informação do que quando eu era adolescente - não conheço ninguém da minha geração (aquela que era rasca!) que tenha abortado. Não venham dizer que hoje os jovens são mais irresponsáveis, que sabem menos. Não os transformem em burros dos quais temos que esconder os fardos de palha por eles não saberem disfrutar dos mesmos.
A igualdade de direitos deveria deixar que qualquer mulher que opte pelo aborto possa fazê-lo sem ser condenada. E nem falo das 10 semanas porque não há comprovação científica de nessa data milagrosa os bebés já sentirem! As mulheres também sentem, e por isso se justifica que o sentir que se está a interromper uma vida não seja uma decisão tomada de ânimo leve.
Não acredito que mulher alguma faça abortos como quem compra um par de sapatos. Só acredita nisso quem não tem a mínima sensibilidade, não entende o sofrimento psíquico que isso acarreta. Descriminalizar o aborto não é incitar à sua prática, isso é pura demagogia.
Continuamos a viver num país mesquinho, preconceituoso, católico (com tudo o que isso acarreta), cheio de moralidades, mas que à laia de uns "pais nossos" e umas "avés marias" tudo perdoa e admite. Claro está, se houver umas coroas para ir a Espanha à privada, nem há necessidade dos confessionários. Curioso como mesmo com o filme "O Crime do Padre Amaro" (um dos mais visto em Portugal segundo a imprensa), eu tenha a impressão que a parte filosófica e humana não foi o que passou e ficou na retina dos portugueses, para que o sim ganhe neste referendo.
Não posso deixar de dizer que este referendo também demonstra o desconhecimento do eleitorado face ao programa do PS quando este se candidatou ao Governo, bem como a falta de coragem política do PS, dado que o programa incluía a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez. Assim sendo, se o PS ganhou as eleições e com maioria, estava mais que referendado este assunto, bem como tantos outros a que já não deu jeito ao PS fazer referendos. Quando se vota num partido, legitima-se o seu plano de acção - este desconhecimento é reflexo da falta de participação política activa da nossa sociedade. Como consequência desta jiga-joga meramente assente em moralismos o país continua-se a afundar e nós a discutir uma matéria que já deveria, há semelhança do que acontece na maioria dos países da UE, ter sido legislada. Pode ser que quando acordarmos desta discussão, o país tenha mesmo abortado!
Chega de caridade e de fazer o jeito! As pessoas têm o direito de ter os seus direitos legislados, de viver sem a sensação de que devem qualquer coisa a uns falsos moralistas. Cada caso é um caso, todos têm histórias diferentes, e não somos ninguém para julgar alguém cuja decisão acarreta sempre enorme sofrimento.
Um aborto é um projecto inacabado, uma esperança interrompida. É um peso para carregar toda a vida, uma escolha - e mais uma vez, cada mulher deve ter direito a fazê-la.
Se dúvidas há, procurem uma mulher que tenha feito um aborto e falem com ela. Garanto que não é uma história de embalar, e que muitas vezes nem quem as narra consegue dormir.

«A vida é uma luta entre os seus aspectos revelados e o limbo em que eles se perdem e ampliam até à suprema distância imaginável; uma luta entre a realidade e o sonho»
Teixeira de Pascoaes

4 comentários:

Anónimo disse...

Penso que este é um tema em que tens uma opinião apaixonada, que te fere um pouco o bom senso! Tenta compreender as boas razões do lado do "não", já que é óbvio que entendes as do "sim". Podes defender a liberalização do aborto, mas compreender que as pessoas que não a defendem não são, ou não têm opiniões, necessariamente, mesquinhas, arrogantes ou estúpidas. Simplesmente, têm uma opinião diferente da tua num tema que é muito polémico, já que tem implicações a nível moral, familiar, social, filosófico, religioso e espiritual - e certamente que me estou a esquecer de outros domínios! Votei "não" no último referendo, mas posso dizer-te que tenho muitas dúvidas em relação à melhor solução nestes casos. Julgo que existem bons argumentos em ambos os lados, e qualquer decisão que se tome nesta matéria terá consequências positivas e negativas para a humanidade. Espero é que o saldo seja positivo...

Tânia Mealha disse...

Nuno não disse que as pessoas que defendem o não são mesquinhas. Disse que os políticos é que o são com as suas qestiúnculas, mais precisamente os que ontem estiveram no debate do prós e contras - tanto os do sim como os do não!
Como explanei no post, considero que é importante que as pessoas possam optar. A única hipótese que torna a opção uma realidade é votar sim. Isto porque, quem quiser abortar pode fazê-lo sem ser criminalizado como até agora, e quem não quer abortar não é obrigado a fazê-lo, e não vai fazê-lo só porque pode.

Anónimo disse...

Penso que todo o teu texto vai no sentido da crítica àqueles que defendem o "não", já que os exemplos que dás para adjectivares as opiniões dos políticos que participaram no dito programa, são referentes a indivíduos que não defendem aquilo que pensas em relação a esta questão.
Para além disso, julgo que os seres humanos podem optar em relação a tudo, mas em relação a determinadas coisas, não devem ter o direito a isso. Se a questão do aborto é um desses casos, é algo que é difícil definir. Mas, mesmo que vença o "não" no próximo referendo, não considero que viva "num País mesquinho, preconceituoso, católico (com tudo o que isso acarreta), cheio de moralidades, mas que à laia de uns 'pais nossos' e umas 'avés marias' tudo perdoa e admite".
No entanto, compreendo que, neste blogue - que é essencialmente político -, se pratique, em grande medida, uma visão clubista, em que se defende o seu clube com paixão, com todos os riscos de só considerar como correcta uma única perspectiva, na lógica de "a única hipótese que torna a opção uma realidade é votar 'sim'". Repito, as pessoas têm sempre a opção, mas resta saber se devem ou não ter esse direito...

PS: De facto, a política não é uma das minhas predilecções - e ainda menos daquela que se faz em Portugal! -, mas, por vezes, sinto a necessidade de dar a minha opinião, tanto quanto possível independente de afiliações partidárias e fundamentalismos políticos.

Anónimo disse...

Gosto de ler os teus textos pela qualidade literária, já que não é a política, em si, que me estimula a vir a este blogue. Farei apenas comments, em questões que, para mim, ultrapassem o domínio político, como é o caso do aborto.

Beijinhos, e continua a escrever tão bem como tens feito.